domingo, 5 de novembro de 2017

SOLA SCRIPTURA ANATEMATIZADO NO SÉTIMO CONCÍLIO ECUMÊNICO DA IGREJA (NICEIA II)


O Sola Scriptura de Lutero, Calvino e Reformadoresem geral, já havia sido anatematizado solenemente e apontado como a doutrina dos heresiarcas da história da Igreja mais de 700 anos antes deles, no Sétimo Concílio Ecumênico de Niceia (Niceia II, ano 787):
Extratos das Atas
1ª Sessão 
(Labbe e Cossart, Concilia, Tom. VII., Col. 53.)
[Alguns bispos que haviam sido desviados pelos Iconoclastas vieram, pedindo para serem recebidos de volta. O primeiro deles foi Basil of Ancyra.]
O bispo Basil de Ancyra leu o seguinte de um livro:
A legislação eclesiástica que foi canonicamente transmitida desde o passado, desde o início pelos santos apóstolos e seus sucessores, quem foram nossos santos pais e professores, e também pelos seis sínodos sagrados e ecumênicos, e pelos sínodos locais que foram reunidos no interesse da ortodoxia, estabelece que aqueles que retornam de qualquer heresia para a fé ortodoxa e para a tradição da Igreja Católica podem negar sua própria heresia e confessar a fé ortodoxa.
Por isso eu, Basílio, bispo da cidade de Ancyra, propondo-me unir-me à Igreja Católica e a Adriano, o Santíssimo Papa da Antiga Roma, e a Tarasius, o mais abençoado Patriarca, e às santas sedes apostólicas, a saber , Alexandria, Antioquia e a Cidade Santa, bem como a todos os sacerdotes ortodoxos, fazendo esta confissão escrita da minha fé, e eu apresento-lhe àqueles que receberam o poder pela autoridade apostólica. E nisso também imploro o perdão de sua santidade divinamente reunida pelo meu atraso nesta matéria. Pois não era correto que eu tivesse ficado para trás na confissão da ortodoxia, mas surgiu de toda minha falta de conhecimento, e uma mente preguiçosa e negligente no assunto. Por isso, antes eu peço sua bênção para me conceder indulgência aos olhos de Deus.
(...)
Portanto, confesso estas coisas e com elas concordo, e, na simplicidade do coração e na retidão da mente, na presença de Deus, fiz os anátemas abaixo reunidos.
(...)
Anátema para aqueles que desprezam os ensinamentos dos santos Padres e a tradição da Igreja Católica, tomando como pretexto e fazendo seus os argumentos de Ário, Nestório, Êutique e Dióscoro, de que, a menos que fôssemos evidentemente ensinados pelo Velho e o Novo Testamentos, não devemos seguir os ensinamentos dos santos Padres e dos santos Sínodos Ecumênicos, e a tradição da Igreja Católica.
(...)
Tarasius, o santíssimo Patriarca, disse: todo este sagrado concílio dá glória e graças a Deus por essa confissão de fé que você fez à Igreja Católica.
O Santo Sínodo disse: Glória a Deus que faz um do que foi rompido.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

A REDAÇÃO DOS TEXTOS DO NOVO TESTAMENTO E SUA INCOMPATIBILIDADE COM O SOLA SCRIPTURA

Muitos são os que tentam apontar versículos bíblicos específicos para sustentar o princípio protestante da Autoridade Única (ou Última) das Escrituras, conhecido pela expressão latina Sola Scriptura (somente a Bíblia). Outros tantos intentam dizer que essa doutrina encontra-se implícita em tal ou qual aspecto da Bíblia. Neste artigo, pretendo mostrar que o Sola Scriptura é incompatível com a maneira como o Novo Testamento foi escrito, que o insere necessariamente dentro de uma Tradição que, embora nele se tenha parcialmente condensado, dando-lhe forma, necessariamente lhe ultrapassa.

Inicialmente, precisamos nos transpor à Palestina no tempo da pregação de Nosso Senhor Jesus Cristo. Aquele admirável Rabi, grande em palavras e obras, ensinava abertamente, nas praças, sinagogas e no Templo, conforme atestam os evangelhos. Seus discípulos, especialmente aqueles doze conhecidos como apóstolos, foram chamados a uma intensa convivência integral com Ele, em que aprendiam não apenas aquilo que Ele explicava às multidões, mas ainda mais. Foram três intensos anos de aprendizado. E ao final, após ressuscitar dos mortos, NSJC os incumbiu de ir até os confins do mundo para pregar a boa nova e fazer seus discípulos em todas as nações.

Essa determinação, entretanto, somente veio a ser implementada depois do Pentecostes, quando os apóstolos receberam o Espírito Santo no Cenáculo, e pregaram à multidão de diversos povos e línguas reunida em Jerusalém.

Desse dia em diante, narra o livro dos Atos dos Apóstolos, eles se espalharam, foram aos mais diversos lugares daquele tempo. Destaque é dado a São Paulo, constituído apóstolo dos gentios pelo próprio Cristo, viajou incansavelmente e sem temor, apesar dos perigos, pelo Oriente Médio, Grécia, Macedônia e mesmo Roma. Sempre anunciando as Boas Novas de Jesus Cristo. E os Atos dos Apóstolos, escrito por seu companheiro, o médico São Lucas, narra em detalhe boa parte de sua vida.

Como sabemos, os Apóstolos, como Pedro, João, Mateus, Judas, Tiago, e seus discípulos, como Lucas e Marcos, escreveram os documentos preciosíssimos que foram reunidos e ganharam o nome de Novo Testamento, em comparação com os livros dos judeus que fizeram parte do Antigo Testamento, e ambos os conjuntos foram reunidos num todo que hoje conhecemos como Bíblia, palavra grega que significa livros, biblioteca.

De fato, a importância desses livros é imensa, e os cristãos sempre os viram como sagrados, devido à sua origem e seu conteúdo, pois condensam parte dos ensinamento dos Apóstolos. E esse é o ponto em questão aqui, parte desse ensinamento, não todo ele.

Primeiro, repare que, conforme os Evangelhos, Jesus pregou, oralmente e com seus gestos e sua vida, e mandou pregar. E nós vemos nos Atos dos Apóstolos a mesma atitude: os Apóstolos e discípulos pregando, oralmente e mediante o exemplo de suas vidas.

Repare também que em nenhum momento, quer nas narrativas dos Evangelhos, quer na narrativa dos Atos dos Apóstolos, menciona-se que NSJC ou algum dos Apóstolos ou seus discípulos escrevia seus ensinamentos. Isso não acontece porque eles, os Apóstolos e discípulos, nada tenham escrito, nem que seus escritos não sejam importantes, são preciosíssimos e sempre foram vistos como tais, conforme atestam os mais antigos textos patrísticos.

Essa omissão, então, deve ser vista como decorrente de ser a escrita desses documentos uma atividade secundária.

De fato, os Apóstolos pregaram como Jesus havia pregado, e não ficaram em escritórios escrevendo tratados, cartas e panfletos a serem levados aos lugares mais distantes. Eles cumpriram o mandamento de NSJC indo pregar a todas nações. E sabemos que eles chegaram a lugares distantes como a Índia, e até mesmo à China.

Mas porque então escreveram se deviam pregar e se dedicaram a isso de corpo e alma, e morreram por isso?

Embora um meio menos eficaz de transmitir ideias fidedignamente (qualquer pessoa que escreve sabe honestamente disso), a escrita é o único meio existente naquela época para transmitir algo a quem está longe, a quem não se pode ver pessoalmente para falar. Ademais, o texto pode ser copiado e replicado, e então pode ir a vários lugares ao mesmo tempo, o que uma pessoa não pode fazer. Por isso os Apóstolos e discípulos escreveram o que está no nosso NT.

As Cartas (Epístolas) contidas no NT, especialmente as de São Paulo, atestam isso muito claramente. Paulo sempre escreve referindo-se a uma visita pretérita ou ao desejo de visitar a comunidade destinatária, e normalmente lamenta em suas cartas não poder falar pessoalmente sua mensagem. Suas cartas são sempre episódicas, tratam de assuntos atuais e urgentes da comunidade de que teve notícia, e que requerem orientação. Elas não têm nunca o aspecto de tratado ou de panfleto, de meios de pregação para substituir sua pregação oral, amplamente narrada nos Atos dos Apóstolos, mas apenas um meio de suprir sua inevitável ausência na comunidade quando assuntos urgentes demandam seu posicionamento.

Mesmo nos Evangelhos encontramos traços dessa escrita episódica e secundária em relação à atividade pregadora. São Lucas incia o seu Evangelho com um endereçamento à maneira de uma carta a alguém que já conhecia a Boa Nova, expressamente referindo à finalidade de reforçar a sua fé (Lc 1,3-4). O Evangelho de São João foi, segundo a opinião praticamente unânime dos estudiosos, o último a ser escrito, é claramente o Evangelho da maturidade do Apóstolo, e em 20,31 o autor deixa transparecer sua intenção de reforçar a fé daquele que o ler; e, no versículo final, o Apóstolo adverte a limitação do que foi escrito.

Mesmo o Evangelho de Marcos, o mais breve e direto, que se acredita tenha sido o primeiro dos quatro a ser escrito (ainda assim provavelmente após as primeiras cartas paulinas), seria, segundo se pensa e efetivamente parece, o resumo da pregação de São Pedro Apóstolo, a real testemunha ocular dos acontecimentos narrados. Portanto, um documento escrito para que elementos importantes dessa pregação não se perdessem, mas não um substituto da pregação.

O próprio encerramento dos Evangelhos de Marcos e de Mateus, destacando o comissionamento (ide, pregai), assim como a atividade missionária (Marcos: “pregaram por todas as partes”), nos mostra não apenas secundarem estes textos à pregação, como já referimos, mas a intenção do escrito de suportar essa atividade, inclusive “credenciando” o pregador como enviado de Jesus Cristo, enviado de Deus, que os enviou expressamente no final de sua missão na Terra.

Paralelamente, enquanto o NT nada menciona da escrita dos textos, muito menciona da pregação oral, e de como essa pregação foi sendo repassada por novos comissionados constituídos pelos Apóstolos. Pois além do ide, pregai, dos Evangelhos, vemos nos Atos dos Apóstolos a constituição de homens de Deus para serem chefes e servos das igrejas locais (bispos, presbíteros, diáconos, como em 1 Timóteo e outros), e a ordem de transmitir a outros o que foi recebido (2 Tm 2,2).



O Novo Testamento em particular, e a Bíblia de uma maneira geral, são importantíssimos, preciosíssimos livros sagrados que sustentam e reforçam a nossa fé, devem ser lidos, estudados, apreciados, devem fazer parte de nosso cotidiano. Mas se inserem num contexto mais amplo, de uma Tradição, isto é, do ensinamento que se transmitiu de boca em boca, do Mestre aos Apóstolos, dos Apóstolos aos discípulos, desses para os próximos, até hoje. Noutras palavras, Tradição transmitida na vida da Igreja. A Bíblia é parte dessa Tradição, mas, por definição, dada pelo contexto de sua redação e história, não toda ela.