sábado, 25 de abril de 2015

EXPRESSÕES DO SOLA SCRIPTURA - OS 39 ARTIGOS DA IGREJA ANGLICANA

2.3. Os Trinta e Nove Artigos da Igreja Anglicana (1563)

No rescaldo da “Reforma Protestante”, o surgimento da Igreja da Inglaterra (Anglicana) se deu de uma forma completamente diferente, tendo por motivo imediato o desentendimento do rei inglês com a Igreja Católica no que respeitava à anulação do seu casamento com sua então esposa.

Por isso destacamos os 39 artigos da Igreja Anglicana, já que tiveram uma origem muito diversa dos demais.

Vejamos:

Em 1563, foi escrito o grande documento da Reforma Anglicana: Os Trinta e Nove Artigos de Religião, que foram aprovados pelo Sínodo (na época de Rainha Maria I, os 42 Artigos foram revogados), modificando, parcialmente, os Quarenta e dois Artigos de Religião, documento este que demonstra a posição doutrinal da Igreja Anglicana em relação ao Catolicismo Romano e ao Protestantismo Reformado, sendo que evidenciou a “via média” deste ramo do Cristianismo, ficando conhecido como “Solução de Elizabeth”, pois Elizabeth I rejeitou o extremo de protestantismo e catolicismo romano e procurou a terceira opção. Nesse mesmo ano, a rainha Elizabeth I escreveu ao rei Ferdinando, regente católico-romano da Espanha, declarando que a Igreja da Inglaterra era a continuação da antiga Igreja Católica, mas não subserviente ao papa: “Nós, e nossos súditos, Deus seja louvado!, não somos seguidores de quaisquer religiões novas ou estrangeiras, mas a mesma religião que Cristo ordena, com as antigas sanções da Igreja Católica, as quais com a mente e a voz os mais antigos pais unanimemente aprovaram'.”
Em 1570, o Congresso aprovou os Trinta e Nove Artigos de Religião como o princípio que todos os ministros ordenados, universitários e os funcionários públicos devem aceitá-lo. Os 39 Artigos esclareceram a posição doutrinal da Igreja Anglicana diante da Igreja Romana e da Igreja Protestante.”
História do Anglicanismo”, disponível no sítio virtual da Igreja Anglicana do Brasil, em http://anglicanchurch.weebly.com/historia.html.

O Artigo VI trata “Da suficiência das Escrituras Sagradas para a Salvação”, e possui o seguinte texto:

A ESCRITURA Sagrada contém todas as coisas necessárias para a salvação; de maneira que tudo aquilo que nela não se lê, nem com ela se pode provar, não deve exigir-se de pessoa alguma que o creia como artigo de fé, nem deve julgar-se como requisito necessário para a salvação. Pelo nome de Escritura Sagrada entendemos aqueles livros canónicos do Antigo e do Novo Testamento, de cuja autoridade nunca houve qualquer dúvida na Igreja. Os livros chamados comumente “Os Apócrifos,” não formam parte das Escrituras Canónicas; e, portanto, não devem ser usados para estabelecer doutrina alguma; nem devem ser lidos publicamente na Igreja. Recebemos e contamos por canónicos todos os Livros do Novo Testamento, segundo comumente são recebidos.
Os Artigos da Religião Cristã”, disponível no sítio eletrônico da Igreja Anglicana Reformada do Brasil, em http://igrejaanglicana.com.br/os-39-artigos/, sem destaque no original.

Embora haja na expressão “tudo aquilo que nela [a Escritura] não se lê, nem com ela se pode provar, não deve exigir-se de pessoa alguma que o creia como artigo de fé”, uma efetiva proclamação do Sola Scriptura, não deixa de restar certa ambiguidade da declaração em relação à Tradição e ao Magistério da Igreja.

De fato, aparentemente a Igreja Anglicana, na prática, não segue o Sola Scriptura, tendo aderido à tríplice fonte de Escritura-Tradição-Razão, preconizada por Richard Hooker.

Sobre esse tema colhemos:

Toda a metodologia teológica anglicana se estrutura a partir do tripé de Hooker: Escritura – Tradição – Razão. O Rev. Richard Hooker viveu entre 1553-1600, em Londres. Ele foi ordenado na Igreja da Inglaterra e, posteriormente, nomeado pela rainha Elizabeth I como Mestre do Templo, tornando-o capelão da “Inns of Court”, uma parte fundamental do sistema de ensino jurídico Inglês. Depois de dez anos ele se mudou para uma paróquia país perto de Canterbury, onde, nos restantes cinco anos de sua vida, ele conseguiu pôr em marcha a sua magnum opus As Leis da Política Eclesiástica”. Esta obra marcou profundamente o pensamento inglês, influenciado inclusive o surgimento do liberalismo de John Look (1632-1704) que a cita diversas vezes. A obra de Hooker foi a primeira defesa sistemática da doutrina da Igreja da Inglaterra após a separação com Roma e por isso ele é considerado o primeiro grande teólogo anglicano. Até mesmo o Papa Clemente VIII (1536-1605) ficou impressionado com seu trabalho.
A obra de Hooker é amplamente reconhecida por afirmar que a teologia anglicana é baseada na “Escritura, Tradição e Razão”, indo tão longe a ponto de criar uma analogia com um “banquinho de três pernas”.
Ricardo, Rodson, “O que é Anglo-Catolicismo?”, disponível no endereço eletrônico http://grupojovemanglicano.blogspot.com.br/p/anglo-catoliscimo.html.

E ainda:

Escritura-Tradição-Razão: o Tripé de Hooker
O Rev. Richard Hooker, sacerdote inglês do século XVII, tem muito a contribuir ao modo de se fazer teologia anglicano. Na sua época, havia várias controvérsias de ordem teológica, as quais ele abordou de forma criativa e conclusiva.
Quanto ao papel das Escrituras Sagradas, Hooker evitou os dois extremos: a posição romana de que as Escrituras são insuficientes e que a Tradição deve suprir a insuficiência e a posição puritana de que é pecaminosa e ilegítima a liberdade da Igreja tomar decisões sobre o que as Escrituras silenciam.
Hooker refletiu sobre essa e outras matérias como fizeram seus contemporâneos levando em consideração a Bíblia, a Tradição, principalmente, a Igreja Primitiva, (a interpretação contínua das Escrituras, sua aplicação), e a Razão (o bom senso, o senso comum de um povo em determinado tempo e lugar, a capacidade humana de simbolizar, ordenar, compartilhar e comunicar a experiência).
Com Hooker e outros e com os Artigos houve a possibilidade de desenvolver a leitura crítica, histórica, contextual, e teologicamente trinitária e pastoral.
Takatsu, Sumio, “Existe uma teologia caracteristicamente anglicana?”, disponível no sítio eletrônico da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, endereço eletrônico http://www.ieab.org.br/ieab/index.php?option=com_content&task=view&id=33.

Considerando o exposto, a Igreja Anglicana, apesar de aparentemente haver proclamado o Sola Scriptura, não o adota efetivamente.


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EXPRESSÕES DO SOLA SCRIPTURA - A CONFISSÃO DE FÉ DE GENEBRA DE JOÃO CALVINO

2.2. Confissão de Fé de Genebra (1536)

Uma das primeiras confissões de fé “reformadas” (calvinistas), foi redigida talvez pelo próprio João Calvino em 1536, razão pela qual a destacamos.

Conforme o sítio virtual “Creeds of Christendom”:

A Confissão de Genebra foi creditada a João Calvino em 1536 por Beza, que disse que Calvino a escreveu como uma fórmula da doutrina cristã adaptada à igreja de Genebra. Estudos mais recentes atribuem-na a William Farel, mas com toda a probabilidade Calvino teve uma influência considerável sobre o documento. De fato, os registros do Senado de Genebra indicam que a confissão foi apresentada por ambos, Farel e Calvino, aos magistrados, que a receberam e a reservaram para um exame mais detalhado.
The Confession of Faith - Confession de la Foy”, tradução livre do texto em inglês, encontrado em http://www.creeds.net/reformed/gnvconf.htm.

Proclama o Sola Scriptura logo em seu primeiro artigo:

I. A Palavra de Deus
Primeiro nós afirmamos que desejamos seguir somente a Escritura como regra de fé e religião, sem misturar a ela qualquer outra coisa que possa ter sido elaborada pela opinião dos homens à parte da Palavra de Deus, e sem querer aceitar para o nosso governo espiritual qualquer outra doutrina do que aquela transmitida a nós pela mesma Palavra sem adição ou diminuição, consoante o comando de Nosso Senhor.
Idem, sem destaques no original.

Nesta confissão o Sola Scriptura é expressa e solenemente declarado, como se vê, enquanto um princípio abstrato que sustenta logicamente as demais confissões, sendo, inclusive, adequadamente posto em primeiro lugar.

Cabe destacar que a expressão “sem misturar a ela qualquer outra coisa que possa ter sido elaborada pela opinião dos homens à parte da Palavra de Deus”, sem dúvida expressa o rompimento com a Tradição e o Magistério da Igreja Católica Apostólica Romana.

Tal como ocorre no Luteranismo, esse rompimento levará somente à imposição de outras opiniões, de outros homens, no caso, do próprio Calvino.

É fato sabido que Calvino não exitou em lançar à fogueira tanto as obras quanto as pessoas que dele dissentiram.



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quarta-feira, 22 de abril de 2015

EXPRESSÕES DO SOLA SCRIPTURA - PRIMEIRA CONFISSÃO DE FÉ REFORMADA - 67 ARTIGOS DE ZUÍNGLIO

II – Confissões e Declarações de Fé dos inícios do Protestantismo

A partir da ruptura de Lutero, diversos outros "reformadores" entraram em cena e produziram suas próprias teses e doutrinas contrárias à Igreja Católica Apostólica Romana.

Essas doutrinas, então, passaram a erguer congregações (seitas, denominações). E estas passaram a redigir confissões ou declarações de sua fé, a fim de diferenciarem-se da Tradição Católica e, à medida que esse movimento se expandia, das outras congregações protestantes.

Muitas dessas confissões ou declarações expõem o que a congregação entende como sendo o Sola Scriptura para seus fiéis.

Vejamos algumas das principais.

2.1. A primeira declaração de fé protestante: os 67 artigos de Ulrico Zuínglio (1523)

Alderi S. Matos, em artigo no sítio virtual do Instituto Presbiteriano Mackenzie, esclarece:

Os 67 Artigos de Zuínglio são considerados não somente a primeira confissão reformada, mas a primeira confissão protestante. Ao contrário das 95 Teses de Lutero, eles não só abordaram um vasto conjunto de doutrinas e práticas, mas deram considerável atenção a alguns princípios basilares do novo movimento protestante. Seu autor, Ulrico Zuínglio (1484-1531), o fundador da tradição reformada, começou a ser impactado pela Bíblia a partir de 1516, quando pároco em Einsiedeln. Ao tornar-se o sacerdote da principal igreja de Zurique, em 1519, seus sermões e preleções alicerçados no Novo Testamento assumiram um crescente tom reformista. O contexto dos 67 Artigos foi a Primeira Disputa de Zurique, em 29 de janeiro de 1523, convocada pelo conselho municipal para resolver a controvérsia religiosa que havia surgido na cidade. O conselho aprovou as proposições de Zuínglio e determinou que os ministros daquele cantão pregassem somente o que tinha apoio nas Escrituras. Esse foi o marco inicial da Reforma Suíça.
Os 67 artigos de Ulrico Zuínglio (1523)”, endereço eletrônico, http://www.mackenzie.br/7043.html.

Os Artigos começam com a seguinte declaração, que ressoa a resposta de Lutero em Worms dois anos antes:

Eu, Hulrich Zwingli, confesso ter pregado na nobilíssima cidade de Zurique os artigos e conclusões que passarei a expor. Encontram-se baseados na Sagrada Escritura, a “theopneustos”, ou seja, a [palavra] inspirada por Deus. Ofereço-me para defender estes artigos, e estou disposto a ser ensinado, caso não tenha compreendido corretamente a Sagrada Escritura; mas, qualquer correção que me faça permanecer fundamentado somente na Sagrada Escritura.
Os artigos com as 67 Conclusões de Ulrich Zwingli”, tradução e notas de Ewerton B. Tokashiki, http://www.academia.edu/2419171/As_67_Conclusões_de_Ulrich_Zwingli, sem destaques no original.

Merecem destaque, em relação ao Sola Scriptura, os seguintes artigos:

1. Todos os que dizem que nada vale o Evangelho se não é confirmado pela Igreja, erram e ofendem a Deus.
4. Erra qualquer um que busque, ou indique outra porta. De fato, é um assassino das almas, e também um ladrão.
5. Consequentemente, todos quantos ensinam falsas doutrinas dizendo que são iguais ao Evangelho, ou que valem mais do que este, também erram. Eles ignoram o que é o Evangelho.

Nesta declaração, vemos que “o fundador da tradição reformada”, antes mesmo de apresentar suas teses, afirma basear-se exclusivamente na Escritura, admitindo discuti-las exclusivamente com base na Escritura. No primeiro artigo de sua declaração, Zuínglio afirma a auto-autenticação do Evangelho, uma rejeição da afirmação de que o Cânon Bíblico requer a Autoridade ou a Tradição da Igreja. Aparentemente os artigos 4 e 5 condenam essa mesma Tradição e esse mesmo Magistério eclesiásticos.



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sexta-feira, 17 de abril de 2015

EXPRESSÕES DO SOLA SCRIPTURA - LUTERO E O LUTERANISMO

I - Lutero e o Luteranismo

Os chamados cinco Solas, são normalmente atribuídos a Lutero, embora ele mesmo não tenha enunciado, por exemplo, o Sola Scriptura, de maneira abstrata, mas apenas incidentalmente tratando de temas variados em seus escritos.

Já em 31 de outubro de 1517 ele escreveu, entre as teses que apresentou questionando as práticas em relação às indulgências:

18. Parece não ter sido provado, nem por meio de argumentos racionais nem da Escritura, que elas [as almas no purgatório] se encontram fora do estado de mérito ou de crescimento no amor.

Lutero, Martinho, "Obras selecionadas, volume 1, os primórdios, escritos de 1517 a 1519", São Leopoldo: Editora Sinodal, Porto Alegre: Concórdia Editora, 1987, p. 24, sem destaque no original.

No final de 1518, Lutero escreveu ainda em sua "Apelação do Fr. Martinho Lutero ao Concílio": “O poder do papa não está contra ou acima da majestade da Escritura e da verdade, mas a favor e abaixo dela”. (Idem, p. 231).

E em 1521 apresentou sua célebre resposta em Worms:

Visto que Vossa S[ereníssima] Majestade e Vossas Senhorias exigem uma resposta simples, quero dá-la sem cornos e sem dentes do seguinte modo: A não ser que seja convencido por testemunhos das Escrituras ou por argumento evidente (pois não acredito nem no papa nem nos concílios exclusivamente, visto que é certo que os mesmos erraram muitas vezes e se contradisseram a si mesmos) — estou vencido pelas Escrituras por mim aduzidas e minha consciência está presa nas palavras de Deus — não posso nem quero retratar-me de nada, porque agir contra a consciência não é prudente nem íntegro.

"Discurso do Dr. Martinho Lutero perante o Imperador Carlos e os príncipes na assembléia de Worms", 1521, em Lutero, Martinho, "Obras selecionadas, volume 6", São Leopoldo: Editora Sinodal, Porto Alegre: Concórdia Editora, 1996, p. 126, sem destaques no original.

Examinando esses discursos, encontramos o perfil com que Lutero via o Sola Scriptura: as verdades cristãs devem ser determinadas pelo exame da Escritura, admitida no máximo a “razão evidente”, e o ensinamento da Igreja deve ser avaliado segundo a Escritura, considerando “a compreensão totalmente livre das Escrituras, como ele propugna no “Comentário de Lutero sobre a 13ª tese a respeito do poder do Papa (enriquecido pelo autor)” de 1519 (“Obras Selecionadas, volume 1”, p. 315).

Em 1580, algumas décadas após a morte de Lutero (em 1546), as dissenções entre os próprios luteranos levaram-nos à elaboração da chamada Fórmula de Concórdia, na qual exporiam a visão luterana do Sola Scriptura:

Da Suma, Regra e Norma de Acordo com a Qual Deve Ser Julgada Toda Doutrina e Devem Ser Explicados e Decididos, de Maneira Cristã, os Erros Que Surgiram.
1. Cremos, ensinamos e confessamos que somente os escritos proféticos e apostólicos do Antigo e do Novo Testamento são a única regra e norma, segundo a qual devem ser ajuizadas e julgadas, igualmente, todas as doutrinas e todos os mestres, conforme está escrito: “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para os meus caminhos”, SI 119. E S. Paulo: “Ainda que um anjo vindo do céu vos pregue diversamente, seja anátema”, Gl l.
Outros escritos, entretanto, dos antigos ou dos novos mestres, seja qual for o nome deles, não devem ser equiparados à Escritura Sagrada, porém, todos lhe devem ser completamente subordinados, não devendo ser recebidos diversamente de ou como mais do que testemunhas da maneira como e quanto aos lugares onde essa doutrina dos apóstolos e profetas foi preservada nos tempos pós-apostólicos.
2. E, visto que, imediatamente após os tempos dos apóstolos e ainda em vida deles, penetram falsos mestres e hereges, contra os quais se compuseram, na igreja primitiva, Symbola, isto é, confissões breves e categóricas, que foram consideradas como a fé e a confissão unânimes, universais, cristãs, da igreja ortodoxa e verdadeira, a saber, o Símbolo Apostólico, o Símbolo Niceno e o Símbolo Atanasiano, nós os confessamos por nossos e rejeitamos, com isso, todas as heresias e doutrinas introduzidas na igreja de Deus contrariamente a eles.
3. Quanto ao cisma, em matéria de fé, ocorrido em nosso tempo, consideramos como consenso e declaração unânimes de nossa fé e confissão cristãs, especialmente contra o papado e seu falso culto, idolatria e superstição, e contra outras seitas, e como nosso símbolo desse tempo, a primeira e inalterada Confissão de Augsburgo, entregue ao Imperador Carlos V, em Augsburgo, no ano de 1530, por ocasião da grande dieta imperial, juntamente com a Apologia dela e os Artigos redigidos em Esmalcalde, no ano de 1537, e, naquele tempo, subscritos pelos principais teólogos.
E visto que tais assuntos concernem também ao leigo comum e à salvação de sua alma, abraçamos, outrossim, o Catecismo Menor e o Maior do Dr. Lutero, conforme incluídos em suas obras, como a bíblia dos leigos. Contêm eles tudo o que a Sagrada Escritura trata mais desenvolvidamente e que o cristão tem de saber para a sua salvação.
Com esse padrão, conforme acima participado, devem concordar todas as doutrinas, e o que lhe é contrário deve ser rejeitado e condenado como oposto à unânime declaração de nossa fé.
Dessa maneira, retém-se a distinção entre a Sagrada Escritura do Antigo e do Novo Testamento e todos os demais escritos, ficando somente a Escritura Sagrada como o único juiz, regra e norma, de acordo com que, como única pedra de toque, todas as doutrinas devem e têm de ser discernidas e julgadas quanto a serem boas ou más, corretas ou incorretas.
Os demais Symbola, todavia, e os outros escritos citados, não são juizes como o é a Escritura Sagrada, porém, apenas testemunho e exposição da fé, que mostram como, em cada tempo, a Escritura Sagrada foi entendida e explicada na igreja de Deus, no respeitante a artigos controvertidos, pelos que, então, viviam, e ensinamentos contrários a ela rejeitados e condenados."

Drehmer, Darci (editor), "Livro de Concórdia", São Leopoldo: Sinodal, Canoas: Ulbra, Porto Alegre: Concórdia, 2006, pp. 499-501, sem negritos no original.

É importante destacar desse texto a superioridade da Escritura, a adesão aos símbolos anteriores da Igreja enumerados, e a manutenção da Confissão de Augsburgo e dos catecismos de Lutero como “a bíblia dos leigos”.

Isso mostra que no Luteranismo, o Sola Scriptura é o ponto de partida, permitindo a ruptura com o Catolicismo. Mas, a partir dessa ruptura o Luteranismo criou sua própria doutrina e tradição. Muito embora mantenha-se proclamando a superioridade da Escritura como único juiz de todos os outros escritos (que lhe são então subordinados), o Luteranismo adotou uma doutrina, a qual, rejeitada, exclui sem dúvida a comunhão entre a pessoa e a congregação.



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quinta-feira, 16 de abril de 2015

EXPRESSÕES DO SOLA SCRIPTURA - INTRODUÇÃO

EXPRESSÕES DO SOLA SCRIPTURA

Introdução

Sola Scriptura (em latim “Somente a Escritura”, ou seja, somente a Bíblia, apenas a Bíblia) é o princípio formal do Protestantismo, que lhe permitiu um desenvolvimento conceitual e doutrinário distinto do Catolicismo e do Ortodoxismo Oriental ao romper com a Tradição e com o Magistério Eclesiástico, e aceitar exclusivamente o recurso ao texto bíblico. Chega a ser visto como um dogma protestante.

Sola Scriptura é o ponto fundamental de ruptura com o Catolicismo, e, portanto, o esteio da dissidência no Cristianismo Ocidental. Tanto que John MacArthur, ardoroso defensor do Sola Scriptura, por exemplo, reconhece que, derrubada essa doutrina específica, todos os pontos de discussão cairiam com ela (“A suficiência da palavra escrita”, em “Sola Scriptura numa época sem fundamentos”, São Paulo: Cultura Cristã, 2000, p. 135).

Poderíamos definir o Sola Scriptura com a célebre expressão do famoso pregador batista inglês do Século XIX, Charles Spurgeon:

A Bíblia, toda a Bíblia, e nada mais que a Bíblia é a religião dos protestantes.
Do sermão "The Eternal Name", em Spurgeon, Charles Haddon, "Spurgeon's Sermons Volume 01: 1855", em Christian Classics Ethereal Library, disponível no endereço eletrônico http://www.ccel.org/ccel/spurgeon/sermons01.html, tradução livre do texto em inglês.

Infelizmente não é algo tão simples. O Protestantismo é por definição fragmentário desde a origem. Movido pelo próprio Princípio do Sola Scriptura, que pretende a exclusão de toda autoridade e de toda tradição na determinação do conteúdo da fé cristã, as congregações protestantes enfrentam uma constante dissidência e fragmentação. Não há, portanto, um credo comum, aceito por todos os protestantes.

Assim, mesmo sendo o Sola Scriptura o que mais se aproxima de um dogma do Protestantismo em geral, sofre mesmo este de uma variedade considerável de expressões práticas nos diversos segmentos (congregações, seitas, denominações) protestantes.

Por isso, não podemos apresentar uma definição aplicável sem mais a todo o Protestantismo.

Pelo contrário. para compreender o que significa Sola Scriptura no Protestantismo é preciso percorrer o acidentado caminho apresentado pelos "reformadores", que iniciaram a dissidência no Cristianismo Ocidental, pelas confissões e declarações de fé que vêm sendo produzidas desde então na tentativa de padronizar a crença ao menos no interior de uma denominação, pelos escritos que hoje propagam tendências cada vez mais fundamentalistas e isolacionistas, por vezes contrárias até mesmo à redação de uma confissão ou declaração de fé, e pelos poucos autores que se dedicaram a escrever sobre o Sola Scriptura, embora normalmente estes já professem alguma definição denominacional.


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