quinta-feira, 26 de março de 2015

PORQUE ESCREVO SOBRE O SOLA SCRIPTURA

Por que escrevo sobre (e contra) o Sola Scriptura

Desde que o Protestantismo surgiu na Alemanha, nos anos 1500, produziu uma contínua e exponencial fragmentação do Cristianismo no Ocidente. O mesmo se deu no Brasil, especialmente no final do século XX, quando o Protestantismo avançou nessas terras antes predominantemente católicas.

É preciso reconhecer os pontos positivos do Protestantismo. Como sua única regra de fé e de moral é o texto da sua Bíblia (sem alguns livros que eram tradicionais no Cristianismo até então, e que são mantidos pelos católicos), os protestantes sempre deram elevado valor à tradução, difusão e estudo pessoal da Bíblia. Também produziram vasta literatura teológica e sobretudo prática (o que de certo modo é contraditório com o Sola Scriptura), além da música, e mesmo um estilo de vida teocêntrico.

Outros pontos positivos do Protestantismo, particularmente no Brasil, foi o Cristocentrismo, e a ênfase do Pentecostalismo na ação concreta e cotidiana do Espírito Santo. Longe de concordar inteiramente com as práticas e as pregações dos protestantes, é preciso reconhecer que essa abordagem influenciou até mesmo os católicos a voltarem-se mais para o Cristo e invocarem o Espírito Santo, sem, no entanto, abandonar o que é próprio da tradição católica, especialmente a veneração a Maria e aos Santos.

O que é lamentável no Protestantismo em geral, e na expansão protestante no Brasil em particular, é que esse desenvolvimento e expansão se deu mediante, principalmente, a apostasia (inapropriadamente chamada de conversão) dos católicos.

Não se pode negar que os protestantes levaram a um cristianismo prático muitos ex-católicos "de batismo" (ou nominais, que não praticavam efetivamente a fé católica), muitos dos quais haviam se perdido completamente, e já há muito não entravam numa igreja.

Entretanto, não deixa de ser, especialmente no caso de "católicos praticantes", colher onde outro semeou. Pois a apostasia desses católicos que migraram para congregações protestantes é decorrente de, primeiro, estes já acreditarem em Deus e em Jesus Cristo, e, segundo, já reconhecerem que a Bíblia é o Livro Sagrado do Cristianismo. A partir desses pressupostos o discurso pela “conversão” do católico cuida simplesmente de convencer que o Catolicismo não está em conformidade com a Bíblia enquanto Texto Sagrado. Para isso, utiliza passagens bíblicas que enfatizam a proibição de imagens e a exclusividade da mediação de Jesus Cristo para a salvação dos homens, como forma de contestar a veneração de Maria e dos Santos, ente outras crenças e práticas católicas (que na verdade têm fundamento bíblico e são confirmadas por tradições antiquíssimas, mas esse conhecimento nem todos os católicos possuem).

Esse discurso é embaraçoso para a maioria dos católicos, que nunca se preocupou muito com esse tipo de contestação, tão comum era ser católico e tão comuns e corriqueiras sempre foram no Brasil as práticas católicas. Ao mesmo tempo, é um discurso, em geral, convincente, pois aparentemente simples e objetivo.

Essa prática e abordagem eram muito comuns nos anos 80, e especialmente 90. De uns anos para cá, parece ter diminuído. Talvez porque o próprio movimento protestante no Brasil já tenha se expandido a um ponto tal que segue agora um desenvolvimento mais calmo e estável. Talvez porque a nova geração de protestantes brasileiros, quer convertidos faz muito tempo, quer nascidos em ambiente protestante, já não tenham o ardor missionário do novo converso, e até mesmo já questionem práticas e posturas de sua tradição – e respeitem outras tradições por isso. Talvez porque o movimento ecumênico arrefeceu os ânimos, crescendo uma atitude de respeito mútuo. Talvez porque os católicos que ainda se mantenham como tais já não são tão pouco instruídos e tão "inocentes" quanto os católicos de vinte anos atrás, e estão decididos a permanecer na Igreja Católica Apostólica Romana. Provavelmente, tudo isso e muito mais.

Infelizmente, apesar de todos os esforços do Ecumenismo, continua essa atitude por parte de alguns, que entendem que “converter” um fiel católico é até uma missão dada por Deus.

A religião, ou congregação, que cada um abraça e segue, é questão de consciência pessoal. O Brasil é um país laico, sem religião oficial, que preza a liberdade religiosa, de opinião e de culto, e é bom que seja assim. Não cabe a quem quer que seja, em pleno século XXI, querer impor uma religião, seita, ou opinião a terceiro, senão, até certo ponto, pela via do convencimento e da argumentação, que sempre devem ser respeitosas. Com efeito, a liberdade religiosa é um direito, e a religião faz parte do patrimônio pessoal de cada um. Portanto, a abordagem agressiva é um desrespeito à pessoa, e pode ensejar reparação civil, e mesmo sanção penal.

Em outros termos, se alguém quer apostatar da fé católica, seja para o Protestantismo, seja para outra religião, é questão que fica entre a pessoa e Deus. E a consciência de cada um deve ser seu único juiz neste mundo.

Entretanto, é lamentável que católicos deixem a Igreja Católica Apostólica Romana sem jamais terem-na conhecido realmente, e sem conhecerem sequer o básico dos fundamentos da tradição protestante (tradições talvez fosse mais adequado) e suas respectivas limitações. Deixam uma tradição que nunca conheceram bem e vão para uma outra tradição que não conhecem minimamente, muito menos criticamente.

Nesse quadro é que emerge como da maior importância a questão do Sola Scriptura (somente a Escritura), isto é, somente a Bíblia como fonte de fé e de moral.

Sola Scriptura é o princípio protestante adotado desde Lutero, Calvino e outros, no início do movimento protestante, e que continua na base de todo o Protestantismo, sendo até radicalizado pelas seitas ou congregações mais novas e independentes.

O Sola Scriptura foi adotado como forma de romper com a tradição católica. Com efeito, a tradição católica reconhece a autoridade do Papa e da Igreja. Sem romper com essa tradição, não seria possível desprezar os ensinamentos e atos da Igreja Católica e romper com sua estrutura como fizeram Lutero e Calvino ao apostatarem (pois eles eram católicos). Ao adotarem a Bíblia como única fonte de fé e de moral e darem a ela a sua própria interpretação (um dos subprincípios do Sola Scriptura é o livre exame da Bíblia) eles criaram doutrinas diferentes da Tradição Católica e romperam com a Igreja Católica Apostólica Romana, rejeitando sua Autoridade, Tradição e Magistério.

O Sola Scriptura, portanto, é o princípio fundamental do Protestantismo. Também é praticamente o único ponto comum a todas as denominações protestantes, embora se possa apontar variações na expressão prática desse princípio.

E é o Sola Scriptura que está no fundamento do discurso contra o Catolicismo tecido à base de reiteradas citações de diversos trechos do texto bíblico.

O grande erro dos católicos, que se sentem embaraçados diante desse discurso, é que se esquecem de que a Igreja Católica Apostólica Romana não segue o Sola Scriptura, assim como as Igrejas Ortodoxas Orientais que também vêm da época dos apóstolos (Grega, Copta, Etíope, etc.).

O outro grande erro dos católicos é não saber que o Sola Scriptura é um princípio muito questionável. A meu ver há argumentos contundentes contra ele, mesmo sem recorrer à Tradição e ao Magistério da Igreja. Vejo como muito mais simples a defesa bíblica da Tradição Católica em si, do que a defesa do princípio do Sola Scriptura.

Por isso escrevo sobre o Sola Scriptura, para ajudar a dissipar a ignorância, principalmente por parte dos católicos. Não se trata de modo algum de entrar numa espécie de luta por fiéis – que nem é a postura da Igreja Católica, no Brasil ou no mundo. Dou aqui uma pequena contribuição a que os católicos saibam que o discurso protestante não é tão óbvio quanto pode até parecer em certos momentos.

Pelo contrário, o que tenho constatado é que a aplicação prática do Sola Scriptura vem encontrando dificuldades e divergências insuperáveis. Muito ao contrário do projeto, até romântico, dos chamados "reformadores" (Lutero, Calvino, e outros) a Bíblia sozinha não produziu unidade de fé e de culto pela unidade do texto. O livre exame da Bíblia, e nada mais que a Bíblia, produziu opiniões as mais diversas, divisões e mais divisões. Na verdade, o abandono da Tradição Católica, somente fez surgir milhares de novas tradições protestantes.

Diversamente, apesar dos 500 anos de crítica protestante, juntamente com as críticas marxista, cientificista, ateísta e outras, a Igreja Católica Apostólica Romana continua sólida, e unida em torno da autoridade máxima neste mundo, o Papa, o servo dos servos de Deus, sucessor de São Pedro, a rocha (Petrus) sobre a qual o Cristo construiu a sua Igreja (Mateus 16,18).


Cledson Moreira Galinari

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