sexta-feira, 17 de abril de 2015

EXPRESSÕES DO SOLA SCRIPTURA - LUTERO E O LUTERANISMO

I - Lutero e o Luteranismo

Os chamados cinco Solas, são normalmente atribuídos a Lutero, embora ele mesmo não tenha enunciado, por exemplo, o Sola Scriptura, de maneira abstrata, mas apenas incidentalmente tratando de temas variados em seus escritos.

Já em 31 de outubro de 1517 ele escreveu, entre as teses que apresentou questionando as práticas em relação às indulgências:

18. Parece não ter sido provado, nem por meio de argumentos racionais nem da Escritura, que elas [as almas no purgatório] se encontram fora do estado de mérito ou de crescimento no amor.

Lutero, Martinho, "Obras selecionadas, volume 1, os primórdios, escritos de 1517 a 1519", São Leopoldo: Editora Sinodal, Porto Alegre: Concórdia Editora, 1987, p. 24, sem destaque no original.

No final de 1518, Lutero escreveu ainda em sua "Apelação do Fr. Martinho Lutero ao Concílio": “O poder do papa não está contra ou acima da majestade da Escritura e da verdade, mas a favor e abaixo dela”. (Idem, p. 231).

E em 1521 apresentou sua célebre resposta em Worms:

Visto que Vossa S[ereníssima] Majestade e Vossas Senhorias exigem uma resposta simples, quero dá-la sem cornos e sem dentes do seguinte modo: A não ser que seja convencido por testemunhos das Escrituras ou por argumento evidente (pois não acredito nem no papa nem nos concílios exclusivamente, visto que é certo que os mesmos erraram muitas vezes e se contradisseram a si mesmos) — estou vencido pelas Escrituras por mim aduzidas e minha consciência está presa nas palavras de Deus — não posso nem quero retratar-me de nada, porque agir contra a consciência não é prudente nem íntegro.

"Discurso do Dr. Martinho Lutero perante o Imperador Carlos e os príncipes na assembléia de Worms", 1521, em Lutero, Martinho, "Obras selecionadas, volume 6", São Leopoldo: Editora Sinodal, Porto Alegre: Concórdia Editora, 1996, p. 126, sem destaques no original.

Examinando esses discursos, encontramos o perfil com que Lutero via o Sola Scriptura: as verdades cristãs devem ser determinadas pelo exame da Escritura, admitida no máximo a “razão evidente”, e o ensinamento da Igreja deve ser avaliado segundo a Escritura, considerando “a compreensão totalmente livre das Escrituras, como ele propugna no “Comentário de Lutero sobre a 13ª tese a respeito do poder do Papa (enriquecido pelo autor)” de 1519 (“Obras Selecionadas, volume 1”, p. 315).

Em 1580, algumas décadas após a morte de Lutero (em 1546), as dissenções entre os próprios luteranos levaram-nos à elaboração da chamada Fórmula de Concórdia, na qual exporiam a visão luterana do Sola Scriptura:

Da Suma, Regra e Norma de Acordo com a Qual Deve Ser Julgada Toda Doutrina e Devem Ser Explicados e Decididos, de Maneira Cristã, os Erros Que Surgiram.
1. Cremos, ensinamos e confessamos que somente os escritos proféticos e apostólicos do Antigo e do Novo Testamento são a única regra e norma, segundo a qual devem ser ajuizadas e julgadas, igualmente, todas as doutrinas e todos os mestres, conforme está escrito: “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para os meus caminhos”, SI 119. E S. Paulo: “Ainda que um anjo vindo do céu vos pregue diversamente, seja anátema”, Gl l.
Outros escritos, entretanto, dos antigos ou dos novos mestres, seja qual for o nome deles, não devem ser equiparados à Escritura Sagrada, porém, todos lhe devem ser completamente subordinados, não devendo ser recebidos diversamente de ou como mais do que testemunhas da maneira como e quanto aos lugares onde essa doutrina dos apóstolos e profetas foi preservada nos tempos pós-apostólicos.
2. E, visto que, imediatamente após os tempos dos apóstolos e ainda em vida deles, penetram falsos mestres e hereges, contra os quais se compuseram, na igreja primitiva, Symbola, isto é, confissões breves e categóricas, que foram consideradas como a fé e a confissão unânimes, universais, cristãs, da igreja ortodoxa e verdadeira, a saber, o Símbolo Apostólico, o Símbolo Niceno e o Símbolo Atanasiano, nós os confessamos por nossos e rejeitamos, com isso, todas as heresias e doutrinas introduzidas na igreja de Deus contrariamente a eles.
3. Quanto ao cisma, em matéria de fé, ocorrido em nosso tempo, consideramos como consenso e declaração unânimes de nossa fé e confissão cristãs, especialmente contra o papado e seu falso culto, idolatria e superstição, e contra outras seitas, e como nosso símbolo desse tempo, a primeira e inalterada Confissão de Augsburgo, entregue ao Imperador Carlos V, em Augsburgo, no ano de 1530, por ocasião da grande dieta imperial, juntamente com a Apologia dela e os Artigos redigidos em Esmalcalde, no ano de 1537, e, naquele tempo, subscritos pelos principais teólogos.
E visto que tais assuntos concernem também ao leigo comum e à salvação de sua alma, abraçamos, outrossim, o Catecismo Menor e o Maior do Dr. Lutero, conforme incluídos em suas obras, como a bíblia dos leigos. Contêm eles tudo o que a Sagrada Escritura trata mais desenvolvidamente e que o cristão tem de saber para a sua salvação.
Com esse padrão, conforme acima participado, devem concordar todas as doutrinas, e o que lhe é contrário deve ser rejeitado e condenado como oposto à unânime declaração de nossa fé.
Dessa maneira, retém-se a distinção entre a Sagrada Escritura do Antigo e do Novo Testamento e todos os demais escritos, ficando somente a Escritura Sagrada como o único juiz, regra e norma, de acordo com que, como única pedra de toque, todas as doutrinas devem e têm de ser discernidas e julgadas quanto a serem boas ou más, corretas ou incorretas.
Os demais Symbola, todavia, e os outros escritos citados, não são juizes como o é a Escritura Sagrada, porém, apenas testemunho e exposição da fé, que mostram como, em cada tempo, a Escritura Sagrada foi entendida e explicada na igreja de Deus, no respeitante a artigos controvertidos, pelos que, então, viviam, e ensinamentos contrários a ela rejeitados e condenados."

Drehmer, Darci (editor), "Livro de Concórdia", São Leopoldo: Sinodal, Canoas: Ulbra, Porto Alegre: Concórdia, 2006, pp. 499-501, sem negritos no original.

É importante destacar desse texto a superioridade da Escritura, a adesão aos símbolos anteriores da Igreja enumerados, e a manutenção da Confissão de Augsburgo e dos catecismos de Lutero como “a bíblia dos leigos”.

Isso mostra que no Luteranismo, o Sola Scriptura é o ponto de partida, permitindo a ruptura com o Catolicismo. Mas, a partir dessa ruptura o Luteranismo criou sua própria doutrina e tradição. Muito embora mantenha-se proclamando a superioridade da Escritura como único juiz de todos os outros escritos (que lhe são então subordinados), o Luteranismo adotou uma doutrina, a qual, rejeitada, exclui sem dúvida a comunhão entre a pessoa e a congregação.



Continua...

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